Hoje, estou finalizando a (re)leitura de "O Cortiço" - romance Naturalista/Realista do cartunista e escritor Aluísio de Azevedo.
Digo (re)leitura porque já o tinha lido na adolescência como tarefa escolar e, evidentemente, não havia gostado, entendido e nem aproveitado nada da obra.
Agora, mais maduro, pude desfrutar deste clássico, um livro fantástico, depois que você se acostuma com a sua linguagem deliciosamente esquisita para nossos padrões.
Publicado em 1890, se passa no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, em data indefinida, poucos anos antes da abolição da escravatura (1888).
Conta a estória de João Romão, um imigrante português sem escrúpulos; Bertoleza, uma escrava trintona amante de Romão; Jerônimo, um português abrasileirado no decorrer da trama, sua esposa, Piedade, e Rita Baiana, amante de "Jeromo".
Dezenas de outros personagens (muitos, impagáveis) desfilam na obra: Miranda (representante arquetípico de uma burguesia que se constituia); Pombinha (que protagoniza a primeira cena lésbica da literatura brasileira); Botelho (o sanguessuga de Miranda); Estela (a esposa infiel de Miranda); Libório (um octagenário vítima de Romão) e tantos, tantos outros: Zulmira, Firmo, Bruxa, Machona, Alexandre...
São, pelo menos, dezenas de personagens que podem atarantar o leitor apressado...
O próprio Cortiço é tratado, às vezes, como personagem, como um ente vivo:
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de
portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo.
Como que se
sentiam ainda na indolência de neblina as
derradeiras notas da ultima guitarra da noite
antecedente, dissolvendo se à luz loura e tenra da
aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em
terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos
coradouros, umedecia o ar e punha lhe um farto
acre de sabão ordinário. As pedras do chão,
esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns
pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez
grisalha e triste, feita de acumulações de espumas
secas.
É um retrato de nossas raízes: as lavadeiras, o pagode, a cachaça, a viola, a favela...
O Cortiço é uma favela. Uma das primeiras favelas brasileiras produzidas por gente como Miranda, Romão e Botelho.
Ao fim, reconheço os vários elementos descritos no livro na minha contemporaneidade, mais do que na minha infância, adolescência ou juventude (americanizadas e censuradas, em tempos de ditadura militar).
Um Brasil autêntico e assustador.
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